quarta-feira, 9 de abril de 2014

ELIO GASPARI: Vem, Lula


Uma eleição presidencial com Nosso Guia na disputa faria bem a todo mundo, inclusive a ele
Quem viu a final do vôlei masculino da Olimpíada de Londres há de se lembrar. O Brasil ganhara dois sets e faltava só fechar um ponto para levar o ouro quando o técnico russo botou Dmitriy Muserskiy (2m10) na quadra. Resultado: a Rússia fez o ponto, levou os dois sets seguintes e ficou com o ouro. Se o PT achar que a reeleição de Dilma corre perigo, deixará Lula no banco para agradar seus adversários?
Tudo ficaria melhor se Lula saísse como candidato a presidente. Por cinco razões:
1) Porque é maior de idade e está no exercício de seus direitos políticos.
2) Porque o "volta, Lula" vem enfraquecendo o governo do poste que ele ajudou a botar no Planalto.
3) Porque uma parte do desgaste que está corroendo a doutora Dilma é dele e foi-lhe jogado no colo. Afinal, o mensalão e as petrorroubalheiras nasceram na sua administração.
4) Porque a outra parte do desgaste da doutora está associada ao mito da gerentona, criado por ele. Afinal, é a "mãe do PAC".
5) Porque a transformação do PT num aparelho arrecadador de fundos teve o seu permanente beneplácito, tanto durante os oito anos em que esteve na Presidência, como depois. O deputado André Vargas não é um ponto fora da curva, mas uma luzinha dentro da estrela vermelha.
As urnas decidirão se o PT deve receber um novo mandato presidencial. Quatro anos de Dilma mostraram que o poder é mais do partido do que do ocupante do Planalto. Isso não deriva de qualquer malignidade intrínseca do comissariado, mas do fato de que ele é o único partido organizado do país. Se os outros não se organizaram e o máximo que fazem é combinar jantares, o problema é deles. Vitorioso, o PT terá 16 anos ininterruptos de poder. Isso jamais aconteceu na história brasileira e não fará diferença se esse mandato for exercido por Lula ou Dilma. Pelo contrário, para o bem ou para o mal, ele representa melhor a estrela que fundou do que ela, um convertida tardia.
A entrada de Lula na disputa daria maior clareza à escolha. Se ele é um político prestigiado, com 37% dos entrevistados pelo Datafolha dispostos a votar em quem tiver seu apoio, torcer para que fique no banco de reservas é uma ilusão.
Chegou-se a abril e os dois candidatos da oposição produziram apenas listas de celebridades e palavrório. Sabe-se mais das diferenças entre os prováveis candidatos republicanos para a eleição americana de 2016 do que das plataformas de Aécio Neves e Eduardo Campos.
Há pouco a Câmara aprovou uma medida provisória com centenas de contrabandos. Entre eles, mais uma estia para sonegadores de impostos e um mimo para os planos de saúde que não cumprem os contratos que vendem aos clientes. Isso só foi conseguido por um acordo de lideranças parlamentares, com o apoio das bancadas oposicionistas.
Nas três últimas eleições presidenciais os candidatos tucanos escondiam Fernando Henrique Cardoso, sem explicar por quê. Agora, Aécio Neves e Eduardo Campos escondem que fazem oposição a Lula. Talvez acreditem que só devem falar claro às vésperas da eleição, seguindo protocolos estabelecidos pelos marqueteiros. Nas eleições anteriores fizeram isso e, derrotados, procuraram culpar essa nova modalidade de astrólogos.
Folha, 09.04.2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

Menos prisões - VLADIMIR SAFATLE


O número aproximado de pessoas presas no Brasil é de 550 mil. Trata-se do quarto maior contingente do mundo, atrás apenas dos EUA, da China e da Rússia.
Desses, pouco mais de 10% estão presos por homicídio (simples ou qualificado). Nos outros 90% encontram-se pichadores, pessoas que "desacataram" a autoridade policial e ladrões de quase todo o tipo (os que dilapidam o erário público e corrompem funcionários estão em outro lugar).
Um dos maiores grupos, a saber, 138 mil pessoas, representa aqueles presos por problemas ligados a drogas; na maioria das vezes são casos que, com um pouco de boa vontade, um sobrenome "classe média alta" e um bom advogado, seriam vistos como consumo, não como tráfico.
Apesar dessa população carcerária em crescimento vertiginoso (lembre-se que há 20 anos haviam "apenas" 129 mil presos), apesar da polícia brasileira matar a esmo, nem a sensação de segurança aumentou, nem os números de crimes diminuíram. O que mostra como o Brasil é a maior prova da ineficácia brutal da política massiva de encarceramento.
Assim, quando as campanhas eleitorais começam, sempre há alguém a prometer maior número de vagas em cadeias, construção de mais presídios e, como se diz, uma política dura de "guerra" contra o crime. No entanto, seria o caso de insistir que esse encarceramento massivo é caro, burro e completamente ineficaz.
Se por volta de 60% dos encarcerados reincidem no crime, é porque as condições medievais das cadeias, a humilhação cotidiana e o contato com o crime organizado acabam por anular qualquer esperança de reorientação. É no encarceramento sistemático de sua população pobre que o Brasil demonstra sua verdadeira face totalitária.
Levando isso em conta, há de se lembrar que o Brasil não precisa de mais vagas nas
cadeias. Ele precisa de menos pessoas presas. Na verdade, as autoridades do nosso país normalmente prendem quem não precisa e deixam solto quem deveria estar na cadeia.
Neste sentido, uma verdadeira discussão a respeito da descriminalização de drogas leves, nos moldes do que vimos ser feita de maneira corajosa no Uruguai, seria algo muito mais eficaz para encontrar respostas aos problemas prisionais do Brasil do que as velhas propostas que sempre ouvimos. Uma política massiva de transformação de penas em trabalhos comunitários e soluções alternativas seria, por sua vez, algo não apenas mais humano, mas simplesmente mais eficaz.
No entanto, como há uma parcela canina da população, que tem orgasmos quando vê o porrete da polícia acertar a cabeça de alguém que ela não conheça, colocar tal debate não é das coisas mais fáceis.
Folha, 08.04.2014.

Bicheiros, doleiros e amigões:


BRASÍLIA - O que André Vargas e Demóstenes Torres têm em comum?
Demóstenes, procurador que virou senador do DEM e arauto da moralidade no Congresso, era amigão do bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso na Operação Monte Carlo da Polícia Federal. André Vargas, vice-presidente da Câmara que foi secretário de Comunicação do PT, é amigão do doleiro Alberto Youssef, preso pela Operação Lava Jato da mesma PF.
Demóstenes começou a cair por causa de um fogão e uma geladeira que ganhara de presente de casamento do amigão bicheiro. André Vargas, famoso depois de levantar o punho em desacato ao presidente do Supremo numa sessão na Câmara, caiu por pedir emprestado o avião do amigão doleiro para passear.
O fogão de Demóstenes esquentou e a geladeira não esfriou as apurações da PF e da imprensa sobre as relações perigosíssimas entre o senador e o bicheiro, que incluíam centenas de ligações telefônicas, um celular antigrampo e bons serviços prestados pelo político ao amigão no Executivo, no Judiciário e no Legislativo. Já o avião emprestado para Vargas pousou em mensagens, divulgadas pela revista "Veja", em que o deputado e seu amigão discutiam como tirar vantagem do Ministério da Saúde -logo da Saúde?!- e conquistar "independência financeira".
Demóstenes esperneou até virar pó na política. Vargas produziu cenas vexaminosas, subindo à tribuna para dizer que pedir avião emprestado (não se pede nem carro...) foi uma mera "imprudência". Ontem, ele pediu licença do mandato e da vice-presidência da Câmara, o que é um passo para a renúncia.
A desgraça de André Vargas poderá ou não respingar sobre as campanhas do PT no Paraná, mas certamente irá influenciar a eleição para a presidência da Câmara em 2015.
Sem o petista Vargas na disputa, o pemedebista Eduardo Cunha -espinho no sapato de Dilma- passa a liderar todas as apostas em Brasília. ELIANE CANTANHÊDE
Folha, 08.04.2014

CPI e sangue - HÉLIO SCHWARTSMAN


SÃO PAULO - Uma CPI da Petrobras seria bem-vinda? Penso que sim, mas é preciso desenvolver um pouco melhor essa resposta. Via de regra, governantes têm horror a comissões de inquérito, enquanto a oposição faz o que pode para instalá-las. Ambos têm lá suas razões.
Na visão dos governistas, CPIs geram mais calor que luz. Senadores e deputados, com raras exceções, não sabem investigar. Além disso, ao contrário do policial ou do promotor, que, ao menos no papel têm como objetivo elucidar os casos, parlamentares estão mais interessados em tirar dividendos políticos. Não hesitam muito em fazer sensacionalismo com detalhes intricados. Não é desprovida de sentido, assim, a afirmação de que CPIs podem conturbar o dia a dia do país sem contribuir muito para esclarecer casos obscuros ou melhorar as instituições.
Já a oposição costuma dizer, com amparo nas melhores tradições democráticas, que uma das funções do Parlamento é investigar atos do Executivo. Fazê-lo não só constitui tarefa inescapável como é o instante em que quem está fora do governo dá sua contribuição, mostrando erros e apontando caminhos alternativos.
Só compro as duas narrativas até certo ponto e acrescento que, nos últimos anos, parlamentares desenvolveram o péssimo hábito de fazer o que eu chamaria de CPIs com "hedge". Quando a situação percebe que a comissão é inevitável, amplia o campo de investigações, de modo a abarcar também uma área sensível para a oposição e, assim, neutralizar o potencial de estragos.
Mesmo com todos esses poréns, acho preferível pôr as CPIs para funcionar (e isso vale não só no plano federal como também no de Estados e municípios) a sepultá-las. Há sempre a chance de um zagueiro falhar e nós acabarmos descobrindo algo interessante. Talvez seja um traço de crueldade de minha personalidade, mas adoro ver as entranhas do poder expostas, de preferência sangrando.
Folha, 08.04.2014.