segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Tributos e dificuldades da indústria

Volto hoje ao tema de que já tratei em algumas colunas, mas que continua presente como nunca: as dificuldades da indústria.
Uma das maiores dificuldades que o setor enfrenta é o elevadíssimo custo de observância da legislação tributária. O custo de observância resulta da enorme complexidade dos impostos indiretos, seja os da União, PIS e Cofins, mas principalmente o ICMS, que é estadual.
Cada Estado tem a sua lei. Há inúmeras alíquotas diferentes, regimes especiais, e as diversas secretarias estaduais da Fazenda emitem decretos e instruções normativas alterando algum aspecto do seu ICMS quase que diariamente.
Como José Roberto Mendonça de Barros tem afirmado, o custo de observância desempenha hoje para a eficiência da economia o papel que a inflação desempenhava nos anos 1990. Naquela oportunidade de, qualquer empresa bem administrada em sua atividade precípua poderia quebrar se não tivesse uma tesouraria muito competente para gerir o caixa.
Adicionalmente, o setor bancário crescia. Inúmeras agências eram abertas. A atividade do sistema bancário não era intermediar poupadores e investidores e, com isso, ajudar no financiamento do crescimento econômico.
Naquela época, a atividade do sistema bancário era ajudar o setor privado não bancário a conviver com a inflação. Ofertavam-se serviços de meios de pagamento –por exemplo, conta remunerada com saque automático– que somente faziam sentido por causa da inflação.
Ou seja, um monte de recursos reais –prédios, trabalhadores e equipamentos– era mobilizado para desempenhar atividade que seria desnecessária se a inflação fosse baixa. Todos esses recursos poderiam ser aplicados em alguma atividade mais produtiva para a sociedade se a inflação fosse baixa.
Hoje, em vez de uma tesouraria hipertrofiada, as empresas precisam ter um departamento contábil enorme. No limite, se a empresa vende seu produto para cada Estado da Federação, precisa ter um contador para cada um dos Estados de sorte a observar as alterações dos normativos de cada um deles!
Adicionalmente, a enorme complexidade cria espaço sem fim para litígios entre as Receitas Federal e estaduais e as empresas. Abrem-se inúmeros escritórios de advocacia tributarista para auxiliar as empresas em seus litígios, que forçosamente ocorrerão. Em vez de hipertrofia bancária, temos a hipertrofia dos escritórios tributaristas.
Evidentemente, essas dificuldades são arcadas por todo o setor produtivo, e não somente pela indústria. No entanto, a indústria, principalmente a de transformação, sofre mais pois é o setor cujas cadeias produtivas são mais longas. A complexidade tributária afeta toda a rede de fornecedores e clientes das diversas empresas.
Assim, se o novo governo conseguisse negociar no Congresso Nacional uma reforma tributária que simplificasse os impostos indiretos e, consequentemente, reduzisse muito o custo de observância, haveria algum alívio da sofrida indústria de transformação, setor que tem tido o pior desempenho em seguida à crise e que é o mais afetado pelo desafio chinês.
Os ingredientes para a reforma tributária são bem conhecidos: harmonização das diversas legislações estaduais de ICMS; redução ao mínimo necessário dos regimes especiais dos vários impostos, incluindo os federais; cobrança do imposto no destino em vez de na origem etc. A difusão do uso da nota fiscal eletrônica reduz em muito as dificuldades técnicas da reforma.
No primeiro mandato da presidente Dilma, o Congresso Nacional, com a liderança do atual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, à época secretário-executivo do ministro Guido Mantega na Fazenda, chegou muito perto de aprovar a reforma tributária.
Oxalá no período de lua de mel do primeiro ano do segundo mandato a presidente consiga aprovar a reforma tributária e essa seja, como na analogia no início desta coluna, o Plano Real de Dilma. Folha, 25.01.2015.
Samuel de Abreu Pessôa é formado em física e doutor em economia pela USP e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Dilma, ouça a receita Renzi

CLÓVIS ROSSI

De universos diferentes, o primeiro-ministro italiano e a presidente Dilma têm concordâncias e divergências
DAVOS - Ouvir o jovem Matteo Renzi, premiê italiano, 40 anos, remete inexoravelmente à presidente Dilma Rousseff.
É quando ele diz que "a transformação dos riscos em oportunidade é a qualidade da liderança" e que, por importante que seja a economia, "sem liderança política, nós não estaremos em condições de investir em um mundo diferente".
Quando é que pensei em Dilma ao ouvir Renzi no Fórum de Davos? Primeiro, no ponto em que ele diz que transformar riscos em oportunidade é qualidade de liderança.
Aparentemente, Dilma sentiu que havia riscos na condução da economia como vinha sendo feita e, por isso, resolveu criar uma oportunidade com uma guinada mal digerida em seu próprio partido.
O problema é que a presidente escondeu-se no palácio e não aparece em público para exibir a liderança política que o premiê italiano reclama.
Liderança que vá além da economia e aponte rumos em todos os diferentes campos em que o Brasil enfrenta dificuldades, todas elas arquiconhecidas e diagnosticadas.
Renzi, ao contrário, mostra-se hiperativo, com uma série de propostas de reformas internas e com um discurso para mudar também a política predominante na Europa.
"Eu luto para mudar a direção em que vai a Europa [centrada na austeridade], mas sei que minha função é fazer as reformas no meu país", diz.
Parêntesis: uma das reformas de Renzi, a da legislação trabalhista, provocou forte reação contrária dos poderosos sindicatos italianos, a exemplo do que ocorreu com Dilma quando da limitação de benefícios aos trabalhadores.
A diferença é que a grita, no Brasil, teve como alvo não a presidente, mas seu novo ministro da Fazenda. Não assim na Itália, em que Renzi era --e continua sendo-- o alvo.
Fecha parêntesis e voltemos às comparações: ao contrário de Dilma, Renzi exibe uma ambição que soa até presunçosa.
Diz que, na Itália, até que ele assumisse, em fevereiro passado, o objetivo de cada primeiro-ministro era apenas o de "permanecer no cargo".
Ele quer o cargo para "mudar a Itália". Promete até quatro anos de mudanças, no pressuposto de que ficará até 2018, quando se encerra seu período, sempre e quando não seja derrubado antes por perder a maioria (coisa que, na Itália, ocorre com tremenda frequência).
Diferenças apontadas, voltemos às coincidências: Dilma e Renzi são fanáticos pelo crescimento, acima de qualquer outra coisa.
"O primeiro desafio de hoje é voltar ao crescimento", diz ele, em frase que vale para a Itália, sim, mas para toda a Europa também e igualmente para o Brasil.
Renzi defende algo que no Brasil se chamaria de truques orçamentários: acha que investir em projetos de infraestrutura importantes para a Europa não deveria ser computado no pacto de estabilidade (o que estabelece um limite máximo de deficit público de 3% do PIB para cada país europeu).
Por muito jovem que seja, Renzi promete que esses quatro anos de mudanças serão seu último emprego como político. No Brasil, ninguém faz idêntica promessa. Folha, 22.01.2015.