quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A cabeça dos candidatos, nos pés - Elio Gaspari

Ora, direis, olhar sapatos. Parece uma trivialidade, mas é uma aula de economia e de costumes. Dilma Rousseff calça a marca francesa Louis Vuitton, e Aécio Neves, a italiana Ferragamo. Essa característica dos dois candidatos foi percebida pela repórter Ana Cláudia Guimarães. Se fizessem isso nos Estados Unidos, estariam fritos. Há tempo, o candidato democrata George McGovern comeu o pão que Asmodeu amassou porque visitou uma fábrica de sapatos calçando mocassins italianos.
O governo da doutora sobretaxa os sapatos chineses baratinhos e, com isso, encarece os produtos comprados pelo andar de baixo. Tudo bem, pois o Brasil já foi um dos maiores fabricantes de calçados do mundo e perdeu a posição. É compreensível que o setor receba algum tipo de proteção. Contudo fica difícil entender que um emergente não possa comprar sapatos chineses por R$ 50 e a presidente da República faça campanha calçando Vuitton (R$ 1.200 para um modelo simples).
No último ano, a indústria calçadista brasileira perdeu pelo menos 20 mil postos de trabalho. Há 20 anos, empregava 500 mil pessoas e, agora, ocupa 300 mil. O mercado interno encolheu e, em agosto, as exportações brasileiras de calçados caíram 3% em relação a 2013.
A doutora também poderia dispensar o xale Vuitton que usou na visita do papa e repetiu numa assembleia da ONU. Quando por nada, para evitar o único ponto que tem em comum com os hábitos de Fernando Collor. Ele viajava com um lote de malas dessa grife. O andar de cima nacional tem um fraco por etiquetas estrangeiras. Quase sempre, esse tique destina-se a sinalizar uma exorbitância de poder aquisitivo. Quem não se lembra da senhora Sérgio Cabral numa rua de Paris mostrando a sola vermelha de seus Louboutin (R$ 2.500 o par)? Enquanto essa preferência vem de cidadãos comuns, ninguém tem nada a ver com isso, mas, quando presidentes e candidatos vão a eventos públicos com semelhantes adereços, ensinam algo.
Os sapatos Ferragamo de Aécio Neves estão na mesma faixa de preço dos Vuitton de Dilma, e sua grife estabeleceu-se a partir da qualidade e do conforto de seus produtos. No dois casos, pode-se argumentar que esses sapatos seriam mais confortáveis, pois usam couros finos. Vá lá, mas se o negócio é conforto nos pés, o problema já foi resolvido pela rainha Elizabeth. Antes de calçá-los, ela os manda para que senhoras os usem, amaciando-os.
Aécio e Dilma contrapuseram-se a Marina Silva. Ela usa sapatos das marcas Beira Rio e Renner (R$ 100 pelo par). Logo da Renner, uma marca fundada no início do século 20 por um neto de alemães. Ela teve uma linha de produção de louças e o general Ernesto Geisel usava um jogo de pratos Renner em casa, com as suas iniciais. Ganhara-os de um membro da família que fora seu companheiro de infância em Bento Gonçalves (RS). Quando ia deixar o governo, um grupo de grã-finos quis presenteá-lo com um serviço de porcelana que pertencera ao magnata Eduardo Guinle. Chiquésimo. Mandou-os passear e divertia-se mostrando a louça banal mandada pelo amigo. Folha, 24.09.14

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O anti-Marcos Valério

O petrocomissário Paulo Roberto Costa percebeu que arriscava ser condenado a 40 anos de prisão
Paulo Roberto Costa decidiu não ser o novo Marcos Valério. Decidiu também proteger a liberdade dos familiares que envolveu em seus negócios. Aos 53 anos, Valério, o publicitário mineiro celebrizado com o mensalão, foi condenado a 40 anos de cadeia. Desde o dia 29 de agosto, Costa depõe para o Ministério Público, com vídeo e áudio, em longas sessões diárias. Durante oito anos, ele dirigiu o setor de abastecimento e refino da Petrobras e a doutora Dilma disse ser "estarrecedor" que as denúncias e a confissão partam de um "quadro de carreira" da empresa. É verdade, pois ele entrou para a Petrobras em 1978. Contudo só ascendeu à diretoria porque foi indicado pelo deputado José Janene. Depois de uma militância no malufismo, Janene aliou-se ao PT do Paraná, tornando-se um dos pilares do mensalão. Isso a doutora sabia. Bastava ler jornal.
Os procuradores que ouvem Paulo Roberto acautelaram-se para impedir que entregue pão dormido fingindo colaborar com a investigação. O acervo de informações do doutor tem três vertentes. Numa, estão sua relações com políticos. Noutra, a banda das empresas, desde grandes multinacionais que operam no mercado de petróleo a fornecedores. A lista das empreiteiras, como a dos políticos, é a dos suspeitos de sempre. Já as companhias de comércio de petróleo formam uma lista nova, com cifras e nomes. Finalmente, Paulo Roberto Costa e seu cúmplice, o doleiro Alberto Youssef, deverão mostrar suas contas ao Ministério Público. Isso será facilitado porque ambos estão presos e Youssef é um veterano colaborador. Daí poderão surgir os caminhos do dinheiro. As provas, enfim.
Circula a informação de que, das três vertentes, o Ministério Público concluiu a oitiva da primeira. Ele pode dizer o que quiser, mas só exercerá o benefício se produzir provas. Listas de nomes servem para nada. Paulo Roberto Costa é um homem organizado. Sabe-se desde abril que a Polícia Federal apreendeu em seu escritório transferências de dinheiro de duas das três maiores tradings de petróleo e minérios do mundo, a Glencore e a Trafigura. A primeira, uma empresa anglo-suíça, é maior que a Petrobras. A outra comprou o porto da MMX em Itaguaí. Nessa papelada, como ocorre há décadas, apareceram pagamentos suspeitos de eternos fregueses, como a Camargo Corrêa e a OAS. Paulo Roberto Costa guardava papéis desse tipo no escritório. Talvez tenha mantido um arquivo eletrônico em lugar seguro, sobretudo quando viu o que sucedeu a Marcos Valério.
Se as oitivas do doutor forem profícuas, o escândalo do pretrocomissariado será duradouro, o maior e melhor documentado da história nacional. Coisa para durar anos, estendendo-se à Justiça de outros países. É sempre bom lembrar que o cartel da Alstom, com suas propinas para tucanos, só andou porque teve a colaboração e o estímulo do Judiciário suíço. Marc Rich, o fundador da Glencore, encrencou-se no Estados Unidos e tomou sentenças que somaram 300 anos de cadeia. Foi perdoado pelos instintos jurídicos e comerciais do presidente Bill Clinton, no seu último dia de governo. Já a Trafigura foi condenada por exportar lixo tóxico para a África e encrencou-se numa história de propinas para o secretário-geral do partido do governo em Zâmbia. Folha, 10.09.2014.
www.movimentocidadaocomum.blogspot.com

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