Movimento dos indignados morreu no Brasil, mas na Espanha criou um grupo que irriga o debate público
Era uma vez um movimento de protesto que inundou as ruas com suas
reivindicações. Brasil-2013? Sim, mas também Espanha nos anos de crise
intensa iniciados em 2008. A coincidência termina aí. Infelizmente. No
Brasil, as ruas foram esvaziadas. Os jovens que as ocupavam tornaram-se
de novo invisíveis.
Na Espanha, ainda que as ruas também tenham sido esvaziadas, o movimento
dos indignados refluiu para assembleias em bairros ou cidades e, a
partir delas, criou uma instância o mais parecida possível com um
partido político.
Chama-se Podemos, capturou 1,2 milhão de votos nas eleições europeias de maio passado e elegeu cinco eurodeputados.
Resume Joaquín Prieto, jornalista de "El País": "Esta opção recolheu o
descontentamento e despertou ilusões políticas em muitos que as haviam
perdido". Neste domingo (19), o "Podemos" fez a sua assembleia para
discutir os rumos e projetos políticos --um passo mais em direção à
institucionalização.
Enquanto isso, no Brasil, o descontentamento não encontra um canal de
manifestação. Os números da eleição do dia 5 são eloquentes: a coligação
que governa não passou de 30,5% dos votos possíveis (43 milhões em um
eleitorado total de 142 milhões, arredondando).
É óbvio que o segundo colocado, Aécio Neves, teve apoio ainda menor
(24%). Significa dizer que o/a futuro/a presidente terá a hostilidade ou
a indiferença original de 70% dos eleitores (se for Dilma) ou de 75%,
se for Aécio.
É óbvio que, seja qual for o eleito, poderá recuperar simpatias e
infundir ilusões. Mas a campanha do segundo turno não foi um primeiro
passo nessa direção.
Ao contrário, está sendo a campanha do medo, em vez da campanha da
esperança. Medo de que continue o modo PT de governar ou de que volte o
modo PSDB.
Não deixa de ser curioso: os dois partidos produziram em seus 20 anos de
domínio do poder federal um país razoavelmente melhor do que o que
encontraram.
No entanto, ao adotarem, ambos os candidatos, a ideia de que é preciso
mudar, parecem estar confessando que se esgotou o ciclo em que um e
depois o outro se assentaram.
O problema, para mudar, é que o constrangimento das contas públicas
deixa pouca margem de manobra para inovações, pelo menos para inovações
que custem dinheiro --e quase todas custam.
Na Espanha, o Podemos lançou um tema que nem remotamente assoma no
Brasil: o pagamento da dívida. Propõe não o calote, mas uma
reestruturação ordenada, no pressuposto de que se trata de "uma questão
de eficiência econômica e de necessidade".
No Brasil, a rubrica que mais consome recursos públicos, depois da
Previdência, é o pagamento dos juros da dívida, mas trata-se de um item
tabu. Reestruturar pode ou não ser factível, mas interditar o debate
sobre o tema, como o fazem os grandes partidos, só torna mais urgente a
necessidade de um Podemos tapuia, que tente resgatar e içar a bandeira
das ruas.
Pena que ganhar R$ 0,20 (a menos nas tarifas de transporte) bastou para calar o grito de "podemos".
Folha, 21.10.2014
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